sexta-feira, 28 de outubro de 2011


EXISTENCIAL

Como estou só
Sobre a grande pedra do mundo
Desfaço as malas.
Há nada nelas.
Só o mundo e as multidões.
Se alguém existe é só a grande pedra.
A mala não existe por ser minha conseqüência.
Você pode estar agora olhando de uma janela alta.
Ninguém neste monolito tem onde ir além de suas jaulas.
Numa cidade estrangeira podemos pensar que tudo é diferente.
Mas não é.
Se pudéssemos estar em outro planeta também não seria.
Só pela janela de outro olhar vamos a algum lugar.
Mesmo que seja um quarto triste, cativo, real.
Ou ilusório de felicidades.
Mas será sempre intenso de vida ou de morte a janela de outro olhar.
Lá, no topo ou no calabouço da pedra quem procura pode achar muitas coisas; mas não existir.
Quem não procura pode existir.
As cores dos olhos são muitas; seus matizes mais variados e belos do que nos computadores.
E apesar de todas as fronteiras despedaçadas por virtualidades fenomenais a saudade de existir no amor só se desfaz com a concretude da realidade inexistente; primeiro dos olhos, faróis intocáveis, que abrindo mão do toque aos barcos dão licença e luz e à volúpia fluvial das bocas, depois das incandescências e indecências do corpo sagrado. Quando podem fecharem-se e não precisam mais olhar uns nos outros;quando realmente enxergam a possibilidade da existência.
Qualquer um pode se surpreender e encontrar os bolsos cheios de olhos.
O corpo tatuado de olhos; ah! e agora as bocas também querem tatuar o corpo.
O coração bombeando olhos.
Os alvéolos já seriam alvéolhos das purezas.
E a alma um olho de éter.
E as bocas uma ponte com arcos carmins.
Nenhum sentido há numa ponte sem quem as olhe das duas margens.
Nenhum sentido há num prédio sem janelas para os olhos.
Nenhum sentido há num prédio, numa cidade.
Eles estão dentro da mala: eu não existo e a mala é minha.
Só existe os olhos em outros olhos.
Só existe a existência no amor quando os olhos olham outros olhos.
De um, de dois, de multidões.
E loucura suprema: meus olhos já podem olhar meus olhos!
Já posso existir só sobre a rocha e o corpo que amo e respeito.